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O Simpósio - proposta do evento

No início do século XXI, percebemos que cada vez mais os governantes procuram construir uma marca para suas cidades; contudo o “sucesso” de uma determinada cidade acaba provocando um movimento que objetiva copiar aquilo que teria dado certo, levando à homogeneização das formas-conteúdo, pois acreditam que assim atrairiam investidores. Contradição.

 

Tem-se, simultaneamente, um discurso que defende a manutenção dos centros históricos – vislumbrando o potencial de exploração turística dessas áreas – e o crescimento do número de condomínios fechados e shopping centers. Os velhos centros muitas vezes não são vistos como opção para habitação, mas como possibilidade para o crescimento de atividades comerciais.

 

Muitas cidades têm seguido as definições de uma política empreendedorista, investindo em infraestrutura ligada às atividades turísticas, muitas vezes aproveitando-se de eventos internacionais como o fizeram Barcelona (Jogos Olímpicos, 1992 e o Fórum de las Culturas, 2004), Lisboa (Expo'98) ou Sevilha (Expo'92); o Rio de Janeiro vem seguindo o mesmo caminho: Jogos Pan-Americanos 2007, Copa do Mundo de Futebol 2014, Olimpíadas 2016.

Assim, agências multilaterais – BID, Banco Mundial, PNUD, Agência Habitat, dentre outras – e consultores internacionais acabam construindo ideários e modelos que afirmam que as cidades devem comportar-se como empresas e adotar uma postura vencedora em um mundo que é visto como um mercado em que cidades competem entre si. Dessa forma, esse ideário defende que grandes projetos urbanos, recuperação de centros históricos, parcerias público-privadas e revitalizações fomentam a produtividade e competitividade da cidade, assegurando – graças à atração de investimentos, turistas e grandes eventos – uma inserção de sucesso no mundo globalizado. Além disso, surgem também como opção a criação de parques associados a grandes projetos imobiliários de condomínios de alto poder aquisitivo e de shopping centers. A parte do tecido urbano avaliada pelos empreendedores como degradada ou habitada por grupos sociais de baixo poder aquisitivo, como velhas áreas fabris e armazéns em antigas zonas portuárias, tornam-se áreas potenciais para passar por refuncionalizações e para se transformarem em novos complexos de consumo. Nesse sentido, todo lugar acaba tornando-se uma cópia, em que surgem paisagens urbanas cada vez mais repetitivas que se descolam da própria realidade e história do lugar. Observamos a produção de uma espécie de urbanização banalizada.

 

Grande parte dos projetos de revitalização, que alteram as características do lugar criando novas fronteiras urbanas, acaba levando a processos de gentrificação, que de certa forma não deixa de ser uma forma de espoliação.

 

Acreditamos que a espetacularização na administração pública e a pura valorização da imagem, e não da essência dos problemas sociais e econômicos, acaba sendo extremamente prejudicial em longo prazo, ainda que, muitas vezes, possam ser obtidos benefícios políticos. Entretanto, não basta fazer a crítica ao modelo, é preciso interpretá-lo para, então, transformá-lo, para mudar o estado de coisas atual. Infelizmente, a maioria das pesquisas quando muito chega apenas à interpretação. Pensar a mudança significa lutar pela transformação das condições materiais e não apenas pela obtenção de concessões formais; lutar pelo direito de viver em uma cidade com mais justiça social.

 

A cidade é a materialização de um momento histórico. O espaço torna-se cada vez mais o meio de reprodução das relações sociais; sendo hierarquizado, objeto de investimentos públicos e privados, reserva de valor ou mesmo deixado ao acaso e abandonado. Talvez a grande batalha deva centrar-se na necessidade de romper com a ocultação e buscar desvelar essa dominação do espaço. No atual momento do capitalismo mundial, o movimento da reprodução aponta para a superação da hegemonia do capital industrial pelo capital financeiro, levando ao acirramento do processo de produção desigual do espaço.

Vivemos, agora, um momento marcado pela desconcentração do setor produtivo tradicional, pelo desenvolvimento de novos ramos da economia e pela centralização do capital na metrópole. Além disso, observamos a conformação de uma cidade difusa, que se expande desmesuradamente, dando novos conteúdos às antigas áreas rurais.

 

O espaço é o lugar da reprodução das relações sociais de produção e não apenas dos meios de produção, destarte percebemos o espaço como mercadoria. Porém, se o espaço é o lugar da reprodução, é também lugar da contestação, do encontro, da rebeldia, lugar da ação. E aqui estamos diante de grandes tensões, contradições; ou seja, se é no espaço da vida cotidiana que percebemos e vivemos o dia-a-dia, é nele também que os especialistas – cientes ou não do fato de que o espaço produzido interfere fortemente nas relações sociais – concebem seus projetos e os põem em curso à revelia dos habitantes do lugar. Muitas vezes, aqueles que vivem na cidade acabam por perceber e viver a partir da total naturalização de tudo, da banalização da miséria, da desigualdade. Por outro lado, há também aqueles atores sociais que, a partir da indignação, procuram formas de lutar contra o estado de coisas atual; as estratégias de suas práticas espaciais são fundamentais, posto que percebem que a produção do espaço é também instrumento de reprodução das relações sociais.

 

O cotidiano, embora muitas vezes banalizado, já que se expressa por sua miséria e riqueza a partir de eventos triviais, caracteriza-se como a mediação entre a repetição e a criação, entre a alienação e a liberdade, como a clara explicitação da imbricação entre espaço e tempo. As inúmeras possibilidades de apropriação do cotidiano resultam da vivência, da experiência vivida, e têm grande potencial criador, possibilitando a formação e permanência de resistências. Portanto, quando através da apropriação do espaço da cidade reconstruímos a cotidianidade, é possível pensarmos na formação de movimentos que lutem pela emancipação e pela sua transformação.

 

Se o fenômeno urbano tomou o planeta, se vivemos uma sociedade urbana (e não nos referimos apenas ao domínio edificado, mas o conjunto das manifestações do predomínio da cidade sobre o campo), atualmente experimentamos um processo de metropolização do espaço; ou seja, trata-se da transcendência das características metropolitalinas a todo o espaço. Nesse sentido, grandes mudanças podem ser observadas, tais como: crescimento e intensificação dos fluxos imateriais, de pessoas e de mercadorias; cada vez maior utilização de tecnologias de informação e comunicação; e grande variedade de atividades econômicas com maior concentração de serviços de ordem superior.

 

O processo de metropolização imprime características metropolitanas ao espaço, trata-se da alteração das estruturas pré-existentes, sendo esses espaços metrópoles ou não. Há, também, a incorporação de uma dimensão cultural. A esfera do consumo ganha proporções nunca antes imaginadas, provocando uma alteração profunda da cultura mercantil, que atinge todas as esferas da vida. Os hábitos culturais e os valores urbanos típicos da metrópole se difundem para além dela, chegando às pequenas e médias cidades.

 

A intensificação da capitalização do campo e a diversificação das atividades que lá se realizam, associadas ao desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação, e também dos transportes aproximaram ainda mais as relações urbano-rurais. Assim, o processo de metropolização do espaço chega a áreas cada vez mais distantes, difundindo a cultura urbana, os valores urbanos, as normas e práticas sociais dominantes da cidade.

 

Se em determinado momento pudemos falar em urbanidades no rural, talvez agora tenhamos de aprofundar ainda mais esse debate, já que, atualmente, objetiva-se o desenvolvimento de condições metropolitanas que viabilizem ainda mais a reprodução do capital.

 

Não nos resta dúvida de que as estratégias de gestão territorial são, como vimos, também atingidas por tal processo. Nessa seara, é preciso pensar em políticas públicas, questionar a política pública, pensar em outras formas de gestão e planejamento, pensar em como viabilizar formas de autogestão.

 

O II Simpósio Internacional Metropolização do Espaço, Gestão Territorial e Relação Urbano-Rural, mais uma vez através da associação entre o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Espaço e Metropolização – NEPEM – (PUC-Rio), o Grupo de Estudos Rurais e Urbanos – URAIS – (PUC-Rio), o grupo de Gestão Territorial no Estado do Rio de Janeiro – GeTERJ – (PUC-Rio) e o Núcleo de Estudos de Geografia Fluminense – NEGEF – (UERJ), tem por objetivo debater como o surgimento de novos valores articulados ao tecido urbano, juntamente com novos sistemas de produção e novas realidades de mercado, contribuíram para a reconfiguração das cidades, da gestão territorial e da relação urbano-rural. Para tanto, objetivamos trazer ao debate os grupos sociais envolvidos no processo, suas ações, reações e interações. Aqui, torna-se imprescindível o debate acerca da mercadificação da cidade, do city-marketing e do discurso do empresariamento na governança da cidade; elementos claramente identificáveis neste momento da metropolização do espaço.

 

Objetiva também divulgar os referenciais teóricos e metodológicos utilizados para a análise e reflexão acerca das recentes transformações observadas pelos grupos de pesquisa, possibilitando o aprofundamento dos debates e pesquisas de cunho interdisciplinar.

 

O simpósio busca promover o diálogo entre pesquisadores, planejadores e gestores ligados à universidade e aos órgãos públicos responsáveis pela gestão, divulgar o arcabouço teórico e as práticas afins, bem como identificar e mapear os conflitos entre os atores sociais envolvidos. Da mesma forma, a participação e aproximação de pesquisadores, estudantes de graduação e pós-graduação, professores do ensino médio e superior das redes pública e privada, representantes do poder público e da sociedade civil promoverão o aprofundamento do conhecimento teórico, prático e político sobre a relação entre metropolização do espaço, gestão territorial e a relação urbano-rural.

 
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